sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Amenidades - Último post

O celular de Mike estava desligado. Em casa ele também não atendia. Claro, deve estar dormindo. Ou na rua com outra. Ou outras. Ele costumava gostar de um ménage em seus tempos de solteiro. Argh! Não era hora de pensar nisso. O guincho prometeu chegar em menos de uma hora. Agora era só esperar.
- Você dizia dos perigos dessa região...o que você faz aqui? Desculpe ser intrometida, mas acho que o perigo se aplica a você também, embora para mim seja um pouco maior, certo.
- Aqui é uma região abandonada. Rodeada de fábricas desativadas. Venho aqui para ouvir...meus pensamentos...com mais clareza, quero dizer. Essa noite, tive uma forte impressão de que algo mudaria e senti que deveria estar aqui. Menos de dois minutos depois que me sentei, você apareceu – Ele finaliza com um largo sorriso, os dentes mais brancos dos brancos.
- Puxa! Estou impressionada. Você sempre tem boas cantadas assim? Nem se importa de usá-las com mulheres casadas, como eu? – Lilly tinha que manter o controle e fingir que aquelas palavras não tinham arrancado de si o resto de juízo que lhe restava. Ela estava em êxtase e nem sabia mais por quê.
Nicholas parece ofendido - Desculpe, senhora. Realmente não tive a pretensão de que me julgasse como leviano. Apenas fui sincero. De qualquer forma, foi útil a minha presença. Provavelmente, a senhora passaria a noite tentando sair daqui. Independente de seu julgamento, me sinto...com o dever cumprido, pode se dizer, por estar aqui, seja quais forem os motivos, e tê-la ajudado.
Lilly não esperava essa reação. Estudou por alguns segundos a expressão do rapaz e lhe pareceu sincero.
- Eu que sinto muito. Você tentava me ajudar e aproveitei para descarregar minhas palavras duras. Tem sido difícil – ela não sabia se falava daquela noite ou dos últimos oito meses...
- Posso entender. – Parece que ele sentiu a necessidade de Lilly em manter a privacidade. Ela rapidamente partiu para assuntos amenos.
- E você mora por esses lados, Nicholas?
- Sim, eu moro do outro lado deste clube. É uma casa um pouco afastada, mas muito aconchegante para um homem que vive só há tanto tempo.
Como assim? Sem esposa, esposas, ou filhos? Ninguém??? Isso, sim, parecia irreal.
- Posso imaginar. Mas por que vive só?
- Não tenho família. Na verdade, não converso com alguém assim há...um bom tempo. Nem sei como falo tanto perto de você. Algo em você me faz...baixar a guarda, eu acho.
- Mas você nem me conhece...acabou de me ver – Lilly responde boquiaberta.
- Posso dizer que você me lembra alguém. Uma pessoa que fez toda a diferença na minha...vida.
- Oh! – É tudo que Lilly consegue expressar. O que aquele rapaz queria dizer com aquilo? Algo muito estranho estava acontecendo ali e ela não conseguia captar. Droga, cadê seu talento de captação, agora tão enferrujado e que seria de tanta utilidade para a situação.
- Acho que seu guincho chegou – Nicholas diz, muito secamente.
- É...parece que sim. Eu agradeço muito pela sua gentileza.
A essa altura, os dois estavam sentados ao chão, abraçando as pernas. Nicholas ajuda Lilly a se levantar e a acompanha até o carro.
- Até mais ver, Lilly – Ele diz em um aperto de mão. Gelado. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Devia ser o sereno da noite. Mas ele não parecia incomodado com o ar frio. Estranho.
- Er..adeus – Foi tudo que ela conseguiu dizer. Ele se virou e em meio segundo desaparece mata adentro.

Despedida

Vou parar por aqui por que a pretensão da minha modesta história é virar um livro e não posso perder o "inedistimo" neh! rsrsrrs Agradeço a quem acompanhou até aqui...agora, só futuramente, na livraria mais próxima!




quarta-feira, 25 de novembro de 2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Reviravolta

A cada dia, sua relação ficava mais insustentável. Nem ela sabia mais por que insistia neste casamento destruído. Mike era um belo homem, ela sempre admitia para si mesma. Alto, louro, olhos cor de mel, e um corpo naturalmente atlético, esculpido pelos deuses do Olimpo. Uma ofensa à população masculina. Era um promotor de justiça, muito respeitado por sua impecável reputação. Algo em seus olhos passavam confiança e segurança ao júri e ao juiz, ganhando sempre causas importantes em sua carreira. Sua expressão sempre foi a de um garotão, mas em seus 26 anos, Mike parecia cada vez mais cansado e com rugas que denotavam sua agonia. Ás vezes, parecia que nem ele podia entender o rumo de sua vida e de suas escolhas. Mas ele não permitia que Lilly olhasse muito em seus olhos; sempre desviava, com alguma desculpa sem sentido e que, a essa altura, ela nem questionava mais. Ela não conseguia entender nada daquilo. Qual era a verdade dos fatos.

Uma certa noite, voltando de seu curso de pós graduação – mais uma tentativa frustrada de re-equilibrar sua mente vazia -, o carro de Lilly pára abruptamente em meio a uma estrada escura e um tanto deserta devido ao horário. De um lado, um posto de gasolina, sem ninguém à vista. Do outro lado, algo como um clube de campo, totalmente no breu da noite. Ela se desespera, desce do carro para ver o que tinha acontecido. Droga, ela nunca se interessou em aprender onde ficava a bomba de gasolina, como sequer ela descobriria a causa daquela pane. Tentou manter a calma. Lembrou do celular sem bateria. Droga, droga, droga. Nenhum orelhão à vista. Ao olhar ao redor pela milésima vez nos últimos trinta segundos, Lilly se depara com um jovem sentado em frente ao clube. Muito quieto. Totalmente imóvel. Ela sabia que era um rapaz devido aos cabelos escuros, levemente encaracolados, semelhante aos fios de um anjo. Ela se preocupa e fica diante de um dilema: vai até ele ou aguarda um socorro? Pedir uma carona parecia uma solução mais provável, mesmo que a levasse à morte. Mas falar com o rapaz tinha esse mesmo risco, afinal, tudo que ela podia ver é que ele estava vestido de preto, com um casaco que cobria suas pernas. Bingo! Essa era sua chance.

Sem pestanejar, Lilly vai ao encontro do rapaz
- Olá...er, boa noite...desculpa incomodar o seu..digo, estou com meu carro quebrado e será que... – tentando improvisar um discurso descontraído.
- ...Boa noite, senhora – ressoa a voz musical vinda do jovem.
Lilly estanca no chão. Ela nunca ouviu uma voz tão linda. Nem os melhores cantores, os melhores tenores, chegariam aos pés daquela melodia suave e precisa.
- Sinto muito, devo tê-la assustado aqui parado. Há algo em que eu possa ajudar? – se adianta gentilmente, levantando-se em um salto gracioso e rápido demais para um humano.
- Er...claro que não. Sem dúvida, existe um bom motivo para você estar no meio da estrada, a essa hora da noite, sentado em frente a um clube de campo, que obviamente tem muito verde, florestas, enfim... – Lilly começa a tagarelar, com uma ponta de histeria em sua voz, respondendo a primeira parte da frase dele. Tudo era inacreditável. Era a pessoa mais linda que ela já viu. Olhos profundamente negros, traços firmes, maxilar um tanto quadrado, covinhas no queixo que o faziam parecer um anjo. Assustador.
O jovem sorri – Eu posso compreender sua reação. Mas então, o que posso fazer por você? – responde contentemente.
Leve minha alma, meu corpo, meu coração despedaçado.
– Só preciso pedir socorro, o meu carro não quer funcionar e estou sem celular. Se puder me emprestar o seu para eu chamar o guincho e avisar meu marido, eu ficaria muito agradecida.
- Claro, pode ligar. Você acha que pode orientar alguém em como chegar aqui?
- Sabe, eu não passo por aqui com frequência. Começo a achar que me perdi – por alguma razão estranha, Lilly se sente à vontade e faz revelações que jamais devem ser feitas a estranhos quando se está perdida.
- Eu imagino que sim. Digam a ele para vir pela estrada principal e pegar o primeiro desvio de uma estrada de terra. Estamos há uns 15 km e o fim deste trecho é logo ali na frente. Basta eles seguirem em frente e chegarão até aqui. Mas deixa eu me apresentar, meu nome é Nicholas Guelt.
- Lilly Vengel...prazer.
- O prazer é todo meu. Mas, por favor, faça suas ligações, é perigoso estar aqui a essa hora.
Lilly se sobressalta. Estava admirando aquele homem lindo, com suas feições perfeitas, seu corpo escultural. – Ah, sim, claro. Me dê um minuto, sim? – Ele assente e ela se afasta. Lilly percebe que algo mudou em sua vida naquele momento.

Distrações

Lilly tenta se concentrar nas amenidades cotidianas. É uma tarefa difícil por que o seu mundo pessoal está caindo e tudo que ela deseja é refazer esses pedaços que também se partem dentro dela. O trabalho, o tão sonhado trabalho. Nem isso trazia grandes expectativas para a rotina dela. Lilly era uma arquiteta bem sucedida, sócia em um escritório importante e desenvolvia um trabalho muito especial para ela. Desde criança, ela pensava em criar lares para as pessoas; captar o que elas desejam como o seu ambiente feliz e reverter isso para o dia-a-dia delas. Mas nem isso a empolgava mais. Sua criatividade parecia esgotada e alheia, ela nem podia imaginar como retomar suas idéias geniais que a fizeram tão reconhecida em seu meio. O trabalho se tornou...maçante. Igual. Sem cor. Talvez nublado e trovejante. Um dia de frio e chuva. Sem graça. As pessoas notavam que Lilly estava distante. No auge de seus 26 anos, a garota agora ruiva esvoaçante, de suaves sardas, e olhos amendoados, cheia de sorrisos e simpatia, se escondia em olheiras e olhos irritáveis de tão vermelhos, que cintilavam com o tom de seus cabelos. Ela estava sem brilho, ofuscada. Seus sorrisos eram tortos e infelizes. E ninguém ousava estender este nítido sofrimento, preferiam deixá-la em sua tortura particular, dar-lhe privacidade. E era exatamente disso que Lilly precisava. Se por um lado, o trabalho não lhe distraía mais, por outro lado seu refúgio eram as pesquisas históricas. Sobre temas avulsos, nada específico. Uma hora buscava informações sobre a história da arte e, no meio do caminho, se deparava pesquisando algum filósofo, matemático ou físico importante, apenas para se entreter em histórias. Era uma fuga de sua própria narrativa, infeliz demais até para ela querer suportar. Assim, Lilly ia se concentrando em temas antigos, longínquos e irreais demais para que a vida fosse mais suportável. Lilly não sabia o que a aguardava em meio a tantos contos.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Outra

Mas por que outra? Ah, isso ela podia compreender. Ela ainda sente vibrar em seus ouvidos as palavras dele meses antes.

- Eu me sinto infeliz – Mike finalmente confessa.
- Mas por quê? O que eu fiz? – Lilly se desespera.
- Eu não sei. Deve ser eu. É comigo, não com você. Me dá um tempo, ok? – ele suplica.
- Nãooo...eu preciso entender. Eu quero te fazer feliz. Mas você precisa me dizer como. – ela implora.
E cai o silêncio entre eles. Mais uma vez. Ao longo deste ano.
Suas súbitas mudanças de humor. Como isso é massacrante. Parece uma vingança de Mike pelo simples fato de Lilly existir. Mais uma razão para justificar seu pedido de morte. Algumas vezes, ele age docemente, carinhosamente, e intensamente. O homem que ela escolheu viver pelo resto da vida. Em outras, o desgaste fica nítido, a aspereza em sua voz, a ausência de gestos e reações, a completa e total indiferença pela presença dela. Ela conhece isso, sabe o seu significado. Sinaliza o óbvio. Outra.
Quando estão juntos em casa, ele passa a maior parte do tempo dormindo. Ou ela está ocupada e ele entretido com o futebol na televisão. A distância parece ressoar ecos entre eles na pequena casa que escolheram para viver. É muito típico que ele passe horas e horas fora quando ela está em casa. “Não tenho por que ficar trancado aqui dentro”, se justifica. E ela pensa “você fala de quatro paredes ou dessa relação?”. E quando ela não está, ele se sente absolutamente à vontade. Desfruta completamente da sua ausência. Mas os pensamentos dela voam...”Será que Mike está mesmo em casa?”; “E se está, será que tem companhia?”; “Ele teria coragem de trazê-la para nossa cama?”; “Será que eu a conheço? O quanto melhor que eu ela será?”;. A sombra da dúvida paira em seus pensamentos. Não há um dia em que ela não pense no pior. As evidências estão lá, mas...Lilly não quer dar-lhes crédito. Prefere pensar que é sua imaginação, gritando ensurdecedoramente, mais uma vez. Querendo que ela enxergue o irreal. Mas a cada dia, ou melhor, a cada palavra, os fantasmas se parecem mais concretos...

Consequência





quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O casamento

Apesar de toda empolgação, eles fizeram tudo com muita calma. Lilly sempre falava que tinha pressa, mas não urgência. Queria tudo o mais perfeito possível. Ela já trabalhava em um escritório de arquitetura e estava galgando passos importantes em sua carreira, mas ainda ambicionava mais, ter uma situação melhor. Mike conseguiu um emprego com advogados renomados e seguia em ritmo intenso para realizar seu sonho de atuar na promotoria. Paralelo a tudo isso, compraram sua casa, arrumaram tudo com muita paciência e de acordo com o que desejavam para a nova família que se formava. Quatro anos depois, Lilly e Mike subiram ao altar, em um pequeno rancho em São Francisco, com cerca de 400 convidados.

Na cerimônia, Mike chorava de emoção. Lilly não conseguia parar de sorrir, embora sentisse falta de seus pais. Todos os presentes se emocionaram com os votos e as juras de amor trocadas. Um momento de felicidade plena.
Após o primeiro mês de casados, Mike perdeu completamente sua doçura. Brigas sem motivos sérios tomavam grandes proporções, por vezes ele ameaçando abandoná-la. Tratava-a muito rispidamente, parecia sempre nervoso e disposto a manter as coisas fora do eixo, sem tentar conciliações.
- Mike, você podia me ajudar a lavar a roupa...
- Eu não vou ajudar em nada. Estou cansado. Você só sabe me cobrar.
- Não é isso, é que...
- Eu vou sair agora. Não me ligue, talvez eu demore para voltar.
- Mas Mike...
- Me deixa ou eu vou embora e não volto.
Lilly não entendia as reações de Mike. Ele parecia sempre na defensiva. Arisco, hostil, seco. Ela sempre teve seus caprichos e Mike sempre compreendeu. Nunca a acusou pela sua maneira de ser. Mas agora ela era um peso e incomodava. Ela podia sentir isso. Mas não podia explicar o porquê.


Mike

Lilly e Mike se conheceram na infância. Eram vizinhos em um bairro próximo do centro de Santa Monica, Los Angeles. Mike e os irmãos de Lilly eram inseparáveis e era de se esperar que o amor entre os dois florescesse. Aos 12 anos, Lilly perdeu seus pais em um acidente aéreo. Ela sempre se culpou por não estar junto. Ela desistiu da viagem na semana anterior. Eram as tão sonhadas férias em Cancun, mas de última hora ela decidiu ficar com os irmãos. Anthony, David, Frank e Johnny tomaram conta dela com a ajuda da família Vengel. Mesmo assim, o namoro de Mike e Lilly só começou no meio do ensino médio. Ela nunca seguia os protótipos e decidiu que só daria uma chance a essa relação quando sentisse vontade. E Mike despertou isso nela. Ela preferiu enfrentar as decepções comuns de adolescente antes de se entregar ao amor verdadeiro. Queria viver todas as experiências antes de se entregar totalmente a ele. E assim foi.

Sobreviveu à distância da faculdade. Lilly continuou em sua cidade, fez UCLA, enquanto Mike foi para Yale, em Connecticut. Semanas antes da formatura de Mike, Lilly vai visitá-lo em New Haven, em seu campus.
- Quer dizer que você está pensando em usar sua viagem de presente de formatura que seus irmãos deram, hein – Mike comenta, zombeteiro. A alegria dele era sempre uma marca constante.
- É...foi muito bacana da parte deles e me sinto muito grata em protelar isso. Mas na verdade, não queria ir sem você.
- Ah Lilly, eu adoraria ir, mas às vésperas da formatura, eu realmente não consigo me desvencilhar.
- Ainda acho que você podia ir comigo. Seria perfeito. Conhecer a Europa sozinha deve ser muito sem graça.
- Sem contar que meus conhecimentos em geografia seriam bem vindos para você se localizar – Mike tenta derreter o biquinho que ela faz.
Ambos sorriem. Era fácil a convivência deles. O amor não parava de crescer. Lilly se sentia protegida.
- Case comigo, Lilly.
- Como é?
- É..eu pensei em mil formas de te pedir e sei que você iria gostar de boa parte delas – Mike parece deliciado com a surpresa dela.
- Sim, mas...
- E, de repente, percebi o óbvio. Qualquer momento seria especial desde que você estivesse ao meu lado.
- Ah, Mike...
- Você sabe que somos perfeitos um para o outro. Já temos provas suficientes de que funcionamos bem juntos.
Lilly começa a chorar. Anne, mãe de Mike, já havia adiantado que isso aconteceria e ela estava ansiosa para oficializar sua relação.
- Mas é que...
- Você ainda tem dúvidas, Lilly? – Mike hesita – talvez eu devesse esperar...
- Sim! Sim! Sim! Claro que eu quero.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O fundamento

É preciso dizer que eram um casal apaixonado como poucos. Uma devoção intensa brilhava dos olhos de Mike quando Lilly estava perto. Ela era seu adorno de cristal que deveria ser preservado, custe o que custar. Nem toda demonstração de afeto era suficiente para expressar a intensidade do que ele sentia. Ela se assustava com tudo isso. Por vezes sentia medo. Mas queria tentar, sentia que devia. Que era justo então que, desta vez, ela fosse a coadjuvante. Que ela fosse a agente passiva da sua história, pelo menos uma vez. E apenas aceitasse de bom grado tudo que estava vivendo. Parecia mágico e irreal. Ela não sabia até quando poderia retribuir. Estava acostumada com uma situação inversa, dela se entregar plenamente às paixões e ser fatalmente preterida. Tudo era novo. E absoluto. E delicioso. A consequência esperada era aquela: o casamento. Parecia o certo a fazer. Não? Agora não parece mais. Mas de qualquer forma, tudo foi tomando uma nova forma. Se modificando. Indo para rumos que ela não conseguia tomar as rédeas e recuperar do ponto inicial. Simplesmente acontecendo diante de seus olhos. O vívido incêndio daquela relação chegou a leves brasas, que se apagavam com suaves brisas de verão. Ela podia apostar que havia outra. Em algum lugar. De alguma maneira. Outra que tivesse despertado em Mike tudo aquilo que ele sentia antes por ela. Isso, sim, parecia perfeitamente possível. Afinal, ela não era nada interessante. Ninguém tinha amado-a antes, não daquele jeito, então é provável que ela não fosse boa mesmo. E ela já tinha se conformado, mas ele veio, e mudou tudo aquilo dentro dela. Fez ela se sentir...especial...Ah, mas isso era uma grande piada, impossível de ser real. E agora ela pode ver. Então era isso. Se resumia nisso. Em um grande circo em que ela era a boba da corte, o grande nariz de palhaço não podia esconder a repugnância que ela sentia de si mesma por acreditar que merecia viver o amor. A solidão já estava predestinada, antes mesmo de se concretizar. Caia-lhe bem...era...natural. De uma maneira louca e estranha, mas era identificável, palpável.



segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A percepção

Aquele casamento pareceu fadado a ser o fim dela. A cada dia, uma nova pontada de dor inundava seu peito. Cada vez que Lilly olhava ao redor e se deparava com um casal apaixonado, um estrondo lancinante e ardente surgia dentro de si. Ela não podia acreditar. Tantos anos de paixão transbordando entre eles que chegou ao marasmo total. E em poucos meses. Absolutamente inacreditável. Ela tentava achar uma explicação razoável e todas elas originadas de alguma atitude imperdoável dela mesma. “Será que foi a nova cor do meu cabelo?” “Aquele dia que atendi o telefonema da minha amiga, às 22h, de um sábado, será que despertou alguma suspeita da minha bucólica fidelidade?” ou “Eu não deveria ter dito o quanto o personagem daquele filme é mais romântico do que ele”. Tantas banalidades. Não pareciam suficientes para justificar esse fim. Ela chora baixinho, noite após noite. Na expectativa de ser abandonada mais uma vez. Ela sente que não pode suportar uma nova separação. A vida já lhe arrancou coisas demais e estava na hora disso parar. Mas o que ela poderia fazer se havia algo terrivelmente errado em suas escolhas, em suas tentativas? Se toda vez que ela acreditava ser o momento da felicidade, um trovão arruínava seus desejos, e trazia de volta à dura realidade. Sim, ela não foi feita para ser feliz. Ela leva cinco minutos para entender o que precisa. Se ela não existisse, então como seria? Não haveria abandonos.


Não haveria peso para o seu marido e para sua família. Não haveria ninguém com perspectivas arrebentadas. Não haveria bicos cada vez que uma palavra fosse colocada incerta, no momento inadequado, e nem criaria ofensas. As pessoas seguiriam seu ritmo de vida. Ela não tinha uma criança e isso agora seria um peso muito grande para se carregar. Claro, ela jamais confiaria um bebê inteiramente seu a qualquer outra pessoa. Por que ela conhece bem o que as pessoas fazem em uma situação dessas. Elas desprezam a sua criança, ignoram, maltratam. Sugam suas forças. E isso ela não poderia permitir. Na ausência do tão amado bebê, as facilidades estão a seu favor. Mas como chegar a isso? Era difícil perceber em meio à enchente que caia de seus olhos. Cada minuto parecia decisivo. E na verdade a decisão não cabe a ela. Ela deve esperar. E pedir. Que isso termine logo.